Onde e quando o bolo foi criado?

Prática • 26 de novembro de 2025
Lekach tradicional bolo de mel judaico

Antes de se tornar uma sobremesa macia e aerada, o bolo percorreu um longo caminho ao lado da humanidade. Seus primeiros vestígios remetem a civilizações antigas, onde pães densos eram enriquecidos com mel, tâmaras e outras formas naturais de adoçante.


Foi apenas com a disseminação do açúcar, muito tempo depois, que os bolos passaram a se transformar naquilo que conhecemos hoje. Mas como essa jornada aconteceu? Quais foram as mudanças que moldaram essa tradição ao longo dos séculos?


Continue a leitura e descubra onde e como o bolo evoluiu até os dias atuais.


O sabor doce


A primeira fonte de adoçante utilizada pela humanidade foi o mel. Há evidências arqueológicas do uso de mel há pelo menos 8.000 anos, conforme registrado em pinturas rupestres.


As civilizações antigas, como os egípcios, sumérios, babilônios, gregos e romanos, valorizavam muito o mel, não apenas como adoçante, mas também como conservante e ingrediente medicinal.


Além do mel, outra fonte de adoçante natural muito antiga foi a tâmara, especialmente nas regiões da Mesopotâmia e do Oriente Médio, onde essa fruta era esmagada e transformada em pastas ou xaropes. Os mesopotâmicos, por exemplo, já usavam a tâmara como um tipo de "açúcar" natural por volta de 3000 a.C..


O açúcar extraído da cana-de-açúcar só começou a ser processado de forma mais eficiente muito tempo depois, na Índia, por volta de 500 a.C., e levou séculos para se popularizar globalmente.


Os bolos na antiguidade


Os primeiros bolos surgiram há milhares de anos, mas eram bem diferentes dos que conhecemos hoje.


Bolos no sentido mais primitivo, eram misturas assadas de farinha e adoçantes naturais, existem há pelo menos 5.000 anos, mas a evolução deles para algo mais fofo e aerado levou muito tempo.


Os sumérios (cerca de 3000 a.C.) e os babilônios (cerca de 2000 a.C.) dominavam a panificação e utilizavam fornos de barro para assar pães. Algumas tabuletas cuneiformes indicam receitas que envolviam misturas de farinhas, gergelim, leite e adoçantes naturais.


O uso do mel e das tâmaras sugere que esses pães poderiam ter uma textura mais úmida e adocicada, lembrando os primórdios dos bolos.


No entanto, o mais próximos do que chamamos de bolo vem do Egito Antigo, por volta de 3000 a.C.. Os egípcios já faziam pães adoçados com mel e tâmaras, que tinham uma textura mais densa e rústica.


Na Grécia Antiga (cerca de 500 a.C.), havia registros de bolos feitos com farinha, mel e queijo.


Os romanos também desenvolveram versões mais elaboradas, misturando ovos, manteiga e fermento natural para criar pães mais macios e adocicados, alguns em camadas, semelhante a uma torta.


O “bolo mais antigo conhecido”


O bolo de Meir é considerado a evidência arqueológica mais antiga já preservada de um doce preparado com ingredientes como mel.


Ele foi encontrado na necrópole de Meir, no Egito, dentro da tumba de Pepyankh, e data de aproximadamente 4.200 anos, período do reinado de Pepi II.


A peça consiste em dois discos achatados de massa à base de trigo, com cerca de 10 centímetros, unidos por um recheio que pesquisadores acreditam incluir mel, leite e sementes de gergelim.


O alimento foi preparado em moldes de cobre aquecidos que, ao esfriarem, criaram um vácuo natural que ajudou na preservação extraordinária do bolo por milênios.


Além do valor gastronômico, o bolo de Meir revela aspectos culturais importantes: doces e pães eram deixados como oferendas funerárias no Egito Antigo, representando sustento e continuidade na vida após a morte.


Por isso, esse bolo é ao mesmo tempo um alimento e um símbolo religioso preservado.


Fonte: IFLScience – The world’s oldest known cake is over 4000 years old


Oriente


A China tem uma tradição antiga de bolos doces, embora eles sejam bem diferentes dos bolos ocidentais.


Os registros mais antigos de bolos adoçados na China remontam à dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.), quando o mel e frutas eram usados para adoçar pães e massas.


No entanto, a ideia de "bolo" na China era mais próxima de bolinhos cozidos no vapor do que de bolos assados.


No Japão, os primeiros registros de bolos doces datam de mais de 1.000 anos, mas, assim como na China, eles eram bem diferentes dos bolos ocidentais.


Bolos medievais


Os primeiros registros de bolos feitos com açúcar na Europa surgiram na Idade Média, por volta do século XII e XIII, quando o açúcar começou a chegar ao continente através do comércio com o Oriente Médio.


No entanto, o açúcar era extremamente caro e considerado um luxo acessível apenas à nobreza e ao clero.


A confeitaria medieval europeia foi muito influenciada pelas receitas árabes, trazidas para a Europa especialmente durante as Cruzadas.


Documentos da Inglaterra e da França do século XIII mencionam a produção de bolos e tortas adoçados com "zucarum", um termo derivado do árabe "sukkar" (açúcar).


Um exemplo notável é o "pain d’épices" francês (ancestral do pão de mel), cuja receita chegou à Europa vinda da Pérsia e da China através da Rota da Seda.


O Lekach, o tradicional bolo de mel judaico tem raízes bem antigas (~2000 anos), mas se tornou um doce amplamente reconhecido dentro das comunidades asquenazitas (Judeus da Europa Central e Oriental) por volta dos séculos XIII a XV.


Século XV e XVI – Expansão do açúcar e evolução dos bolos


Com as grandes navegações e o cultivo de cana-de-açúcar em colônias portuguesas e espanholas no Caribe e no Brasil, o açúcar se tornou mais acessível.


No século XVI, confeiteiros europeus começaram a desenvolver receitas de bolos mais sofisticados, como os primeiros pound cakes na Inglaterra e bolos esponjosos na Itália e França.


Durante o Renascimento, a confeitaria ganhou status elevado, especialmente na França e na Itália, onde cortes reais incentivaram o desenvolvimento de doces mais elaborados.


Século XVII a XIX – O bolo moderno começa a surgir


No século XVII, a confeitaria europeia já utilizava açúcar refinado em maior quantidade, substituindo gradualmente o mel.


Foi nessa época que surgiram os primeiros bolos leves, com a introdução de ovos batidos como agente aerador.


No século XIX, com o advento do fermento químico (bicarbonato de sódio e fermento em pó), os bolos passaram a ficar mais fofos e parecidos com os de hoje.


Século XX


A transformação do bolo, de um pão rústico adoçado com mel para a sobremesa leve e aerada que conhecemos hoje, não aconteceu apenas com a evolução da receita, mas também com o desenvolvimento de máquinas e a maior disponibilidade de ingredientes.


As batedeiras industriais surgiram para otimizar a produção de pães e bolos, reduzindo o esforço manual e garantindo misturas mais homogêneas. Inicialmente mecânicas e simples, evoluíram para modelos com movimento planetário, permitindo misturas mais uniformes.


Com o tempo, ganharam motores mais potentes, velocidades ajustáveis e maior capacidade, tornando-se essenciais na indústria alimentícia.


Hoje, contam com automação, sensores e controles digitais, garantindo precisão e eficiência na produção em larga escala.


Além do açúcar, a evolução dos bolos também foi impulsionada pela maior disponibilidade de ingredientes essenciais, como farinha, ovos, leite, manteiga e fermento.


No passado, a farinha era rústica e variava conforme a região, enquanto os ovos e laticínios eram produtos sazonais e restritos a determinadas classes sociais.


O fermento natural era o único disponível até a criação do fermento químico no século XIX, que revolucionou a panificação, tornando os bolos mais fofos e fáceis de preparar.


Com a industrialização, esses ingredientes passaram a ser produzidos em larga escala, reduzindo custos e permitindo que os bolos deixassem de ser um luxo da nobreza para se tornar uma sobremesa acessível em todo o mundo.


Uma receita antiga


Lekach (Bolo Judaico Antigo de Mel ~2.000 anos)


Ingredientes antigos tradicionais


  • 1 xícara de mel puro
  • 2 xícaras de farinha de trigo (ou misto com cevada, como era comum na Antiguidade)
  • 1 xícara de água morna ou vinho doce (vinho era muito usado no período bíblico)
  • 2 ovos (ou apenas gemas em versões antigas)
  • ½ xícara de óleo ou gordura de ganso (muito tradicional nas cozinhas judaicas antigas)
  • 1 colher de chá de bicarbonato ou fermento natural (fermentação antiga: mistura de água e farinha descansada)
  • Especiarias típicas antigas: canela, gengibre, noz-moscada e cravo
  • Punhado de frutas secas opcionais: tâmaras, figos ou passas
  • Pitada de sal


Modo de preparo tradicional


  1. Aqueça levemente o mel até ficar mais fluido.
  2. Misture o mel com os ovos e o óleo (ou gordura de ganso).
  3. Adicione a água morna ou o vinho doce.
  4. Acrescente a farinha aos poucos, misturando até formar uma massa espessa.
  5. Junte as especiarias e as frutas secas, se usar.
  6. Misture o fermento ou bicarbonato.
  7. Despeje em uma forma untada e leve ao forno médio (cerca de 160–170 °C).
  8. Asse por 45–60 minutos ou até firmar.


A longa jornada dos bolos


A história do bolo não pode ser atribuída a uma única pessoa ou a um momento específico da história.


Em vez disso, ele surgiu como um fenômeno global, resultado da criatividade e adaptação de diferentes civilizações ao longo dos séculos.


Muitas culturas desenvolveram receitas que, de alguma forma, lembravam os bolos modernos, usando os ingredientes disponíveis em suas regiões e épocas.


O mel, as frutas secas e os xaropes naturais foram os primeiros adoçantes, muito antes do açúcar refinado se tornar comum.


Assim, o bolo não é uma invenção isolada, mas sim o resultado de um processo contínuo de experimentação e evolução culinária, moldado pela diversidade cultural e pelo progresso técnico ao longo da história.


Confira também nossa entrevista com Dany Novo, que traz dicas essenciais para o preparo perfeito!