blog Prática

Sommelier Graziela von Kossel responde dúvidas sobre vinhos

Prática • 10 de outubro de 2023

Graziela Von Kossel, sommelier natural de Porto Alegre, possui uma trajetória única que a conduziu do campo da arquitetura à apaixonante culinária. Graduada em arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pós-graduada em gestão de negócios em A&B no Senac, sua paixão pela gastronomia a levou a São Paulo, onde formou-se há 14 anos na área e atualmente leciona no curso de Gastronomia na Universidade Anhembi Morumbi, já há 8 anos.

Sua jornada no universo gastronômico foi enriquecida por diversas experiências em cozinhas profissionais, incluindo passagens por restaurantes renomados, como o Fasano e a Osteria Francescana de Massimo Bottura.

Entretanto, foi durante sua formação que uma disciplina de Enologia despertou seu fascínio pelo mundo dos vinhos, tema que exploraremos mais detalhadamente hoje.

Acompanhe a nossa entrevista exclusiva!

1 – Qual a importância do trabalho do sommelier como membro da equipe ou como consultor para o restaurante? Por que pedir ajuda a um profissional?

Hoje em dia, os gestores de restaurantes e estabelecimentos em geral estão percebendo que é possível aumentar significativamente a margem de lucro quando se vendem mais bebidas, tanto coquetéis quanto vinhos.

Assim, ao trabalhar mais em sua carta de bebidas, você pode ganhar mais dinheiro com as bebidas. Muitos estabelecimentos estão aumentando seu faturamento ao investir em bares e profissionais especializados.

Por exemplo, quando você sai para jantar e encontra uma carta de coquetéis convidativa, você é mais propenso a pedir um como aperitivo ou até mesmo experimentar outros ao longo da refeição, seja durante ou após a mesma.

O sommelier não se limita apenas ao vinho , mas lida com todas as bebidas. Ele precisa entender de cervejas, destilados, bebidas não alcoólicas e até mesmo chás e águas. Pedir ajuda a um profissional é exatamente para isso. Eles sabem como criar uma carta adequada à proposta e aos pratos do restaurante, fazer recomendações e orientar o cliente.

2 – Como você escolhe vinhos para um restaurante ou cliente? Quais fatores você considera ao fazer essa seleção?

O que devemos levar em consideração, em primeiro lugar, é o conceito do restaurante. Quais são os pratos e o ticket médio? É importante ter vinhos estratégicos e buscar harmonizar um vinho com uma variedade maior de pratos.

Trocar de vinho constantemente pode ser complexo. A ideia de ter um vinho para entrada, prato principal, sobremesa, e assim por diante, pode ser complicada. É importante ter um vinho que funcione bem com uma variedade maior de pratos, e isso é totalmente viável.

Isso também torna a experiência do cliente mais fácil, pois não há um excesso de informações e tudo flui de maneira mais suave. Por fim, o que sempre prevalece é o gosto pessoal. Devemos saber sugerir e adaptar de acordo com as preferências individuais do cliente.

3 – O vinho valoriza o prato e eleva a experiência do cliente? Qual o impacto do tipo de uva na escolha da bebida?

Com certeza, a ideia da harmonização é proporcionar isso. Existem muitas formas de combinar a comida e a bebida para se ter uma excelente experiência. E deve-se evitar as incompatibilidades, para que a bebida não atrapalhe o prato e vice-versa.

Existem situações mais difíceis de serem alcançadas, as mais específicas, em que o vinho se torna o complemento perfeito do prato. Temos vários cenários, e é importante lembrar que às vezes é mais relevante ter cuidado com a incompatibilidade, ou seja, evitar uma má harmonização.

Um exemplo clássico é quando se combinam comidas muito salgadas com vinhos de alto teor de taninos. Por exemplo, servir uma tábua de embutidos e queijos de mofo, como Brie e Camembert, com um vinho encorpado pode resultar em um sabor amargo no final. Ao prová-los separadamente, percebemos que ambos são bons, mas quando são unidos, a percepção fica prejudicada.

4 – Qual é a sua abordagem ao degustar vinhos e como você treina o seu paladar para identificar características específicas?

Eu sou bem direta. Tento entender o vinho em seu perfil geral para facilitar a percepção dele. Verifico se ele é mais leve, de médio corpo ou encorpado, se possui muito tanino, álcool ou acidez.

Os aromas são essenciais, pois estão diretamente relacionados à construção do sabor. Nosso olfato é capaz de identificar uma ampla variedade deles. Nós identificamos o sabor dos alimentos quando combinamos esses aromas com os gostos. Isso justifica o motivo de senti-los nas bebidas.

Muitas pessoas têm o hábito limitado de cheirar os alimentos, as ervas, as frutas e as flores. Isso também envolve trabalhar o cérebro, pois o sabor é formado pela combinação do paladar com o olfato. O nosso paladar é bastante limitado, capaz de perceber apenas cinco sabores (doce, salgado, amargo, ácido e o UMAMI).

No entanto, a harmonização acontece quando combinamos perfeitamente os componentes da comida e da bebida. Estes incluem, por exemplo, acidez, doçura, gordura e álcool. Também podemos harmonizar os aromas do vinho e da comida, combinando um prato gorduroso com uma bebida mais ácida, por exemplo. O importante é saber onde e como combinar.

5 – Vinho bom é vinho caro? O preço ainda assusta o cliente? Gourmetizar, popularizar ou ambos?

Muitas pessoas classificam o vinho pelo preço, e eu sou completamente contra isso. Vinho bom é aquele que a gente gosta, é entender o nosso paladar.

Vinhos caros não são para o dia a dia; eles são para momentos especiais. Nós não temos uma cultura de consumo diário aqui no Brasil, mas quando você vai para a Itália, França, a realidade é diferente. O vinho é algo básico, quase um alimento.

Existem vinhos bons e mais simples, e a simplicidade não significa falta de qualidade. O importante é que o vinho esteja adequado para o momento do consumo.

Os vinhos caros, envelhecidos, complexos, combinam com momentos de meditação, ou seja, podem ser consumidos sozinhos, sem necessidade de harmonização com algum prato. Conseguimos consumi-los por si só, porque conseguimos percebê-los e degustá-los efetivamente. Quando harmonizamos, a degustação não recebe tanta atenção como a bebida em si.

Sou contra a ideia de gourmetizar o vinho. Pelo contrário, acredito que devemos popularizá-lo. O vinho pode fazer parte do nosso dia a dia. Tudo o que complicamos acaba se tornando inacessível. Acredito que ao simplificar, tornamos o vinho mais acessível às pessoas.

No Brasil, há uma associação de que o vinho é sempre algo sofisticado, mas não precisa ser assim. Ele pode fazer parte da nossa mesa cotidiana.

6 – Como você avalia a produção nacional de vinhos? Como o Brasil está crescendo na vinificação?

Nossa história na produção de vinhos é bastante recente. Ela nasceu aqui no Brasil pelas mãos de imigrantes que enfrentaram muitas dificuldades, mas os produtores têm melhorado significativamente em termos de qualidade.

Temos diversas regiões vinícolas incríveis no país, com muitos terroirs distintos surgindo. A região do Vale do São Francisco, no Nordeste, o Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, e São Joaquim, em Santa Catarina, estão crescendo consideravelmente.

Talvez as dificuldades climáticas, como o excesso de chuvas, tenham desafiado os produtores. Aqui em São Paulo, na fronteira com Minas Gerais, eles conseguiram realizar a colheita em junho, julho e agosto, visando um clima mais propício para o amadurecimento das uvas, em vez de janeiro.

Quando o homem começa a dominar as técnicas, ele começa a encontrar soluções, e isso resulta em um aumento notável na qualidade dos vinhos.

7 – Como você avalia os vinhos dos nossos países vizinhos? Não seriam excelentes alternativas para valorizarmos a produção latino-americana?

Eu sou fã dos vinhos da América Latina. Acredito que sejam competidores muito fortes em relação aos países tradicionais. Com certeza, precisamos valorizá-los, pois são acessíveis, incentivando o Brasil a melhorar também.

A Argentina produz vinhos exuberantes e agradáveis com uma qualidade fantástica. Eles possuem um terroir maravilhoso. São vinhos que, mesmo mantendo uma qualidade elevadíssima, têm preços muito convidativos e são mais acessíveis do que os europeus.

O Chile e o Uruguai também têm vinhos maravilhosos.

8 – Embora o Brasil tenha crescido consideravelmente no consumo de vinho, qual o potencial do mercado em vista de países como EUA, França e Itália?

Nosso país tem um consumo per capita muito baixo quando comparado a países europeus. Se pensarmos também no tamanho do nosso país e na capacidade financeira, percebemos que é um mercado muito grande.

O consumo pode aumentar consideravelmente e só tende a crescer. Qualquer aumento no consumo per capita seria um avanço excepcional. Ainda somos um dos poucos países que têm esse potencial, já que a Europa está bem saturada e os EUA já possuem um consumo elevado.

9 – Quais sugestões você daria para um restaurante vender mais pratos e bebidas?

Torne-se atrativo e diferente. A maioria dos restaurantes desconhece como criar uma carta de vinhos. As cartas frequentemente apresentam dificuldades de leitura, tornando difícil identificar qual vinho é qual. As sugestões não são claras, e o vinho não é devidamente explicado.

Isso é algo que eu percebo ao sair com amigos para restaurantes. Poucos sabem escolher o vinho e acabam optando por tentativa e erro. Muitas vezes, eu tenho que fazer sugestões porque conheço rótulos e regiões.

Para os leigos, essa tarefa é ainda mais difícil. Eu acredito que, se você não entende, você não compra. Portanto, é essencial fornecer informações claras e objetivas. Apenas o ato de explicar já é de grande ajuda.

Share by: