Você já pensou em como a cozinha pode ser complexa e proporcionar experiências marcantes para os clientes? A gastronomia molecular é uma proposta interessante que modifica percepções originais de diversos alimentos e bebidas, valorizando os princípios científicos durante o preparo de receitas.
Quer entender melhor como funciona a técnica e como ela é empregada nos restaurantes: Conversamos com Mara Pontes, mestra profissional em gestão de alimentos e bebidas, para entender melhor sobre o assunto. Confira nosso papo.
Mara: Podemos dizer que o papel da Gastronomia Molecular é entender o que acontece na cozinha, seus princípios físico-químicos, e a partir desse entendimento, controlar todos os processos, de modo a conseguirmos os melhores resultados, transformando o alimento conforme a necessidade do mercado ou a demanda do Chef.
Mara: É difícil dizer. Quando se percebeu, por exemplo, que, ao colocar a maçã cortada com suco de limão, ela deixava de ficar preta. Isso é o uso da gastronomia molecular, ainda sem seu entendimento, mas é o uso da química.
O que hoje fazemos é entender que o ácido, e não só o limão, evita a oxidação. Em 1794, Benjamin Rumford começou a perceber as vantagens das aplicações das descobertas científicas e mecânicas à melhoria da gastronomia. Mas somente em 1988 surgiu o termo Gastronomia Molecular em Física, com Nicolas Kurt e Hervé This.
Mara: Em tudo que se cozinha, em todos os lugares e todos os dias. O que se faz na cozinha, normalmente, é o uso regular de aprendizado de tentativas e erros, observações, sem todo o seu entendimento – veja que dessa forma, não é preciso, necessariamente, saber o que acontece na cozinha para se cozinhar.
O que essa ciência fez foi isolar os elementos. Dessa forma, se é o ácido do limão que evita a oxidação da maçã, a molecular vai utilizar o ácido cítrico. Mas isso, ficou muito mais interessante, quando se adicionou, a parte de equipamentos. Isso facilitou e viabilizou muito a produção controlada dos processos.
Mara: Bem, antigamente não se carbonatava um creme de leite, hoje temos um sifão e conseguimos carbonatar de tudo, inclusive massa de bolo. Os fornos combinados, são um exemplo do entendimento da panela, chapa e forno.
Temos os aditivos hidrocolóides, que conseguem geleificar líquidos que a gelatina não conseguia. Os amaciamentos químicos, embalagens com atmosfera modificada, métodos de cocção sem qualquer tipo de conservante.
As inovações são inúmeras, ela está no nosso dia a dia, mas precisamos entender o processo produtivo para percebermos essas inovações. Pense, que a panela de pressão é um equipamento moderno, mas que se tornou de uso comum, antes, fazíamos um processo parecido, o barreado.
Mara: Agora você me pegou. Os alginatos para a esferificação são os elementos mais chamativos, mas que aqui no Brasil, não se tornaram tão comuns como aconteceu no mundo afora. Na ásia, por exemplo, fazer macarrão com eles é muito comum.
A carbonatação, uso de isomalte, nitrogênio líquido ou a maltodextrina, são alguns dos aditivos mais utilizados. A confeitaria se beneficiou muito com isso, pelo número dos hidrocolóides disponíveis hoje no mercado.
Mara: Acho que comer, tem que ser uma experiência. E a molecular consegue trazer uma surpresa a mais, um acréscimo na experiência. A mixologia vem se aproveitando muito dessas técnicas e é o que mais se encontra no Brasil hoje.
Quando o sous vide chegou no mercado, foi um grande marco, mas hoje, comemos carne feita nesse processo, em restaurantes que não pregam ou divulgam a molecular, mas servem normalmente.
Mara: Fazer sorvete na frente do cliente é um espetáculo. Ele possibilita shows, como ralar um ovo, uma fruta, a separação dos gomos de uma amora ou framboesa. Outra possibilidade, e a que eu acho a mais divertida, é o congelamento de produtos que normalmente não se congelam, como gordura ou bebidas com alto teor alcoólico.
É possível também, trazer a experiência do creme brulé, quando é possível congelar somente a parte externa de um líquido, deixando o interior descongelado. É um elemento para show e deve ser servido o quanto antes.
Mara: Acredito que a primeira coisa é entender que cozinhar depende muito de treino e de estudo. Para um bom desempenho neste e em qualquer cozinha, é fundamental o entendimento do que está acontecendo.
Cozinhar é química, física e bioquímica. Quando entendemos o que está acontecendo, é que podemos criar e modificar o prato que estamos executando. E no início, quando começamos nossas experiências é que percebemos a necessidade do estudo.
A precisão e proporção que normalmente não visualizamos em qualquer receita, agora vai ser indispensável. Gosto mais de chamar essa cozinha, em vez de molecular, de “Pensante”. Essa é uma cozinha para quem gosta de pensar, se arriscar e criar – sair da caixinha, como se diz.
Mara: Bem, como disse, sempre fui do tipo que procurava entender o que estava acontecendo na cozinha, para que pudesse entender o que estava errado. E logo de início, percebi que o erro em uma série de receitas é a proporção ou quando se altera algum ingrediente, o entendimento de sua função ou estrutura para uma adaptação mais profunda.
Mas se quer saber quando comecei a estudar essa disciplina, foi por volta do ano 2010 (não conte os anos!). No início, foi muito complicado, as “químicas” tinham que ser importadas.
Além disso, fora do país, se tem o controle de todos os produtos, como o tipo de pectina, bloom do agár agár, etc. Essas informações não temos aqui.
Mas quando se faz um experimento, e ele dá certo, é muito engraçado. Se sabe toda a teoria e mesmo assim, a gente não acreditava que daria certo.
Mara: Ela deve se desenvolver, principalmente na parte de tecnologia. Ela não vai ter esse nome ou clima de superprodução. Ela deve ser algo que fazemos no nosso cotidiano. Vai possibilitar uma alimentação melhor, de qualidade e sem desperdício.
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